Os brasileiros têm, em geral, grande intenção de se vacinarem contra a Covid-19 quando uma vacina segura estiver disponível para a população. Mas resistem mais à vacina se ela for produzida na China. Segundo estudo com 2.771 brasileiros feito pelo Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública da Universidade de Brasília (CPS/UnB), a associação da vacina com o país onde se originou a pandemia reduz em 16,4% a intenção de vacinação da população.
Os resultados mostram que a intenção de vacinação se reduz também - ainda que em menor medida - quando a droga tem sua produção associada à Rússia (-14,1%), aos Estados Unidos (-7,9%) e à Universidade de Oxford, na Inglaterra (-7,4%). “Esse dado sugere uma desconfiança de parte da população brasileira com a vacina, presente inclusive entre pessoas que estão muito preocupadas com a doença”, diz Wladimir Gramacho, coordenador do estudo e do CPS.
A pesquisa também revela que uma porcentagem expressiva da população tem alguma ou muita chance de se vacinar (78,1% dos entrevistados), sendo menor a parcela dos que dizem ter nenhuma ou pouca chance de se vacinarem (21,9%). O estudo está a cargo de um consórcio com pesquisadores de universidades brasileiras (UnB, UFG e UFPR) e do Canadá (Western University). As entrevistas foram realizadas entre os dias 23 de setembro e 2 de outubro, com brasileiros de diferentes regiões, classes sociais e idades.
A questão sobre a nacionalidade da vacina utilizou cinco versões diferentes da mesma pergunta, que analisou a produção da vacina e não seu desenvolvimento. Em uma das versões, que no estudo funcionou como “grupo controle”, não houve indicação de origem de produção da vacina. Nas outras, foram indicadas como origem de produção a China, a Rússia, os Estados Unidos e a Universidade de Oxford, na Inglaterra. Cada entrevistado foi sorteado aleatoriamente para apenas uma das cinco versões da pergunta.
Os resultados também mostraram que a polarização política está muito associada a diferentes padrões de comportamento dos brasileiros em relação à pandemia e, especificamente, em relação à intenção de vacinação. A vacina chinesa, tema da atual disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador paulista João Doria, tem adesões muito diferentes entre brasileiros que avaliam positivamente ou negativamente o governo federal.
A pesquisa identificou que entre os apoiadores de Bolsonaro apenas 27% têm muita chance de se vacinarem se a substância for produzida na China. Entre os opositores do governo, essa porcentagem dobra (54%), mesmo com uma vacina produzida na China. O gráfico abaixo mostra como a diferença entre indivíduos favoráveis ou contrários ao governo é menor diante de uma vacina produzida na Rússia, nos EUA ou na Universidade de Oxford.
“Os testes que fizemos mostram que a polarização política tem um efeito menor para o caso de uma vacina produzida na Rússia e não afetou até aqui a receptividade dos brasileiros a vacinas produzidas nos Estados Unidos ou em Oxford”, diz Wladimir Gramacho. Ainda assim, o coordenador do CPS considera que “o uso da pandemia e da vacina na disputa entre as elites políticas brasileiras tem sido, em si, uma ameaça à saúde pública”. “Nesta etapa, o mais importante é que haja uma recomendação clara e consistente de todas as autoridades a favor da vacinação”, sugere o pesquisador.
Ficha técnica: A coleta da pesquisa “A comunicação no enfrentamento à Covid-19: Identificação de desigualdades informacionais em segmentos sob risco” foi realizada pelo IBPAD - Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados, em painel online com 2771 brasileiros convidados de forma aleatória entre os dias 23 de setembro e 2 de outubro de 2020, com cotas de gênero, idade, região geográfica e classe social. Foi financiada com recursos do Edital COPEI-DPI/DEX No 01/2020 da Universidade de Brasília e do IBPAD. Mais informações estão disponíveis em www.cps.unb.br Equipe: Wladimir G. Gramacho (Coordenador do CPS e professor da Faculdade de Comunicação da UnB), Pedro Santos Mundim (Coordenador do CPS e professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG), Emerson Cervi (Professor do Departamento de Ciência Política da UFPR), Mathieu Turgeon (Professor do Departamento de Ciência Política da Western University, no Canadá) e Max Stabile (Doutorando do Instituto de Ciência Política da UnB).