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racismo João Alberto grande

 

Wladimir Gramacho

 

Completou um ano neste mês o assassinato do mecânico João Alberto Silveira Freitas por seguranças de uma loja do Carrefour em Porto Alegre. Sua morte ocorreu em 19 de novembro de 2020, ironicamente na véspera da celebração do Dia Nacional da Consciência Negra. As imagens gravadas não deixam dúvidas sobre a ocorrência de um crime. Mas é a cobertura da imprensa que pode fazer com que as pessoas não se esqueçam do caso e que consigamos superar o racismo estrutural no país.

 

Pesquisas científicas já documentaram à exaustão o papel da mídia em orientar a atenção das pessoas para certos assuntos, fenômeno conhecido como “agendamento”. Há exemplos desse efeito sobre a importância que as pessoas atribuem aos temas discutidos numa eleição, aos problemas nacionais, a questões ambientais e a escândalos políticos.

 

Entretanto, ainda são raros os estudos que mostram esses efeitos sobre o agendamento do racismo como problema social, especialmente no contexto brasileiro. Há um ano, no início de dezembro de 2020, o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD) perguntou a uma amostra nacional de 2.017 indivíduos qual era o assunto ou a notícia da qual mais se lembravam ao pensarem sobre o noticiário das últimas semanas. Os temas mais citados foram os casos de Covid-19 e as mortes por ela provocadas (71%), os estudos para a descoberta de uma vacina contra a doença (21%) e assuntos diversos da política brasileira (32%), incluindo as recentes eleições municipais, ocorridas poucas semanas antes.

 

Uma fração muito pequena – formada por apenas 2% dos entrevistados – citou a morte de João Alberto e o racismo entre os assuntos ou notícias de que mais se lembrava. Uma análise mais detalhada dos dados mostrou que, curiosamente, não eram os negros ou pardos os que mais se lembravam do caso, nem mulheres, ou jovens, ou pessoas mais escolarizadas. Mas sim os telespectadores assíduos do Jornal Nacional (TV Globo), muito mais do que os do Jornal da Record (TV Record), seu principal concorrente. Entre a audiência frequente do JN, a lembrança foi duas vezes maior que entre a do JR (2,8% contra 1,4%).

 

Para entender esse resultado, analistas do Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública da Universidade de Brasília (CPS-UnB) fizeram uma classificação das reportagens das edições desses telejornais que foram ao ar nas duas semanas anteriores à pesquisa. As descobertas mostram que o destaque dado pelo Jornal Nacional ao caso foi quatro vezes maior que o dado pelo Jornal da Record.

 

Um ano depois da morte de João Alberto, o fato foi lembrado por alguns veículos – G1, UOL, Nexo e Zero Hora – e mencionado por outros em reportagens sobre racismo – Poder360, Estadão e Valor Econômico. Especificamente no dia 20 de novembro, o Jornal Nacional aludiu brevemente ao caso, em matéria sobre o Dia da Consciência Negra. Já o Jornal da Record não mencionou a morte de João Alberto nas edições dos dias 19 e 20 de novembro.

 

Os resultados dessa pesquisa mostram como são importantes as decisões que levam à construção da pauta de um veículo de imprensa. Os problemas mais destacados no noticiário tendem a receber maior atenção da população e, por isso, podem gerar maior interesse de governos em resolvê-los com políticas públicas. A cobertura jornalística sistemática de casos de racismo – como o que resultou na morte de João Alberto – é um elemento crucial na superação da violência contra negros, que, conforme a última edição do Atlas da Violência, representam 77% das vítimas de homicídio no Brasil.


 Este artigo foi publicado em 30 de novembro de 2021 no Poder360.

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