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COMUNICAÇÃO EM PRÁTICA

 

Cordialidade grande 

 

Wladimir Gramacho

 

As 24 horas deste dia 7 de setembro de 2021 podem ser uma síntese do que se observa no Brasil e em alguns outros países: adversários políticos têm se transformado em inimigos, num gradual processo de distanciamento e estranhamento chamado de “polarização afetiva”.

 

Tanto líderes como seus seguidores vêm contribuindo para isso. Por um lado, governantes e parlamentares – ainda que uns mais que outros – usam suas tribunas e a imprensa para disparar declarações grosseiras e agressivas contra as lideranças de grupos adversários.

 

Por outro, cidadãos simpatizantes de um partido ou grupo político engajam-se em bate-bocas digitais, especialmente no Twitter e no Facebook. Ali, em frente à tela do computador ou do celular, cavam fossos que vêm separando familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho.

 

Parte dessa vala é real. As pessoas são diferentes – sim – e, em uma democracia, devem usar com responsabilidade e limites sua liberdade de expressão para defender causas e partidos com os quais concordam ou criticar políticas e projetos dos quais discordam. Essa foi a forma pacífica e democrática que encontramos para solucionar conflitos sociais.

 

Mas outra parte dessa vala é fictícia. Líderes políticos têm dois grandes incentivos para exagerar em suas críticas e acusações a adversários. Em primeiro lugar, declarações grosseiras e embates digitais ajudam a chamar a atenção de jornalistas e geram curiosidade na audiência. Em segundo lugar, quanto mais abominável parecerem os líderes adversários, menos provável é que os votantes mudem de posição de uma eleição para outra. A polarização ajuda a criar eleitores cativos.

 

Se o diagnóstico é mais claro, a solução para o problema ainda parece distante. Diversos pesquisadores e pesquisadoras renomados têm se ocupado em encontrar formas de reduzir a polarização afetiva, em que não apenas reconhecemos nossas diferenças como também temos visões muito negativas sobre nossos adversários. É como se a vitória do outro partido fosse nos tirar a identidade, destruir nossos valores ou ameaçar nossa vida.

 

Uma das mais recentes e robustas contribuições ao esforço de reduzir essa polarização afetiva foi dada por Leonie Huddy, da Universidade Stony Brook (EUA), e Omer Yair, da Universidade Hebraica de Jerusalem (Israel), em artigo publicado em abril deste ano na revista Political Psychology.

 

O estudo busca esclarecer o que faz com que os simpatizantes de um partido tenham uma atitude mais positiva em relação a uma liderança do partido adversário. Seria o compromisso dessa liderança em apoiar um projeto de lei também apoiado por seu partido? Ou seria a forma cordial e amigável com que ele trata os líderes do partido rival?

 

Quase mil americanos simpatizantes ou do partido Democrata ou do partido Republicano participaram do estudo, realizado numa plataforma online. Os resultados mostraram, consistentemente, que a convergência das elites políticas em torno de políticas públicas não tem qualquer influência direta sobre as atitudes de simpatizantes de um partido em relação a líderes de outros partidos. O que faz, sim, diferença é a forma como interagem. Se são cordiais uns com os outros, os eleitores também tenderão a sê-lo.

 

A resposta de Huddy e Yair não é só recente e robusta. É também frustrante, parcial e desafiadora. É frustrante porque a exposição à notícia de uma interação cordial entre um líder democrata (Chuck Schumer) e um republicano (Mitch McConnell) produziu efeitos estatisticamente significativos, mas muito pequenos. Insuficientes ainda para mudar o tom agressivo de algumas interações políticas. Além disso, foram medidos apenas efeitos no momento de realização da pesquisa. É possível que esses efeitos de curto prazo não durem sequer uma semana.

 

É parcial porque se pode argumentar que os políticos escolhidos não são tão populares e influentes entre os simpatizantes de cada partido quanto figuras como o presidente Joe Biden (democrata) e o ex-presidente Donald Trump (republicano).

 

E, finalmente, a resposta dos autores é desafiadora porque a distensão das relações entre simpatizantes adversários parece depender muito mais da adesão consistente de lideranças políticas a um comportamento cordial e a uma comunicação não violenta entre elas do que de um ajustamento entre seus seguidores e simpatizantes. Com a palavra, Bolsonaro, Lula, Doria, Ciro...


Este artigo foi publicado em 7 de setembro de 2021 no Poder360


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