Wladimir Gramacho
Pesquisas eleitorais não são nem podem ser uma antecipação do resultado das urnas. Mesmo quando feitas na véspera da eleição, as pesquisas são –na melhor das hipóteses– o placar de um jogo de futebol aos 40 minutos do segundo tempo, o enredo de uma série de TV no penúltimo capítulo ou o resultado do BBB no penúltimo paredão. Ainda que falte pouco tempo para o término do jogo, da história ou da disputa, muita coisa pode mudar.
Preste atenção à seguinte fala: “Nós –os institutos de forma geral– incorremos num equívoco importante ao longo do tempo, que foi o de deixar que a mídia tratasse resultados de pesquisas de intenção de voto como prognósticos do resultado eleitoral”.
O autor da frase é o cientista político Antonio Lavareda, provavelmente o especialista em pesquisas eleitorais mais bem-sucedido no Brasil entre os profissionais de sua geração. Ele conhece bem a teoria –como muitos–, e tem há décadas um êxito profissional, como poucos.
São qualidades suficientes para dar atenção ao que ele disse na semana passada, durante o congresso da Compolítica (Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política). E foi além, fazendo um justo e maduro mea culpa. “Muitos de nós utilizamos o grau de acerto publicitariamente para reforçar a nossa pretensa capacidade de predição”, reconheceu.
Pretensa porque o mais perto que uma pesquisa pré-eleitoral pode chegar do resultado das urnas é a intenção de voto declarada na véspera da votação. Desde esse momento até a digitação do voto na cabine eleitoral, muita coisa pode mudar, assim como no último paredão do BBB, no último capítulo da série ou nos 5 últimos minutos de um jogo de futebol.
Os(as) eleitores(as) podem, por exemplo, basear-se justamente nos dados da pesquisa para usar seu voto de modo estratégico, optando por um nome com mais chances de chegar ao 2º turno, como sugeriu Lavareda durante o evento da Compolítica. Mas podem também ser estimulados a mudarem sua intenção de voto.
Há poucos dias, a revista International Journal of Public Opinion Research publicou um estudo que traz uma nova razão para que as pesquisas pré-eleitorais sejam imprecisas no Brasil. O artigo sugere que, por aqui, as atividades ilegais de “boca de urna” –que vão da distribuição de “santinhos” à compra de votos– estão associadas a maiores “erros” das pesquisas eleitorais.
Segundo os autores –Ryan Lloyd (Universidade do Texas-Austin) e Mathieu Turgeon (Universidade de Western Ontario)–, isso acontece especialmente em disputas em que há muitos (as) votantes indecisos e em que um(a) dos(as) candidatos(as) tem muito mais dinheiro que outro(a). A análise, baseada num volumoso banco de dados, também indica que esse padrão é mais comum no Nordeste e em disputas menos acompanhadas pela imprensa, como as do Senado.
Nem todas as diferenças entre pesquisas e resultados eleitorais se devem a possíveis efeitos de “boca de urna”. Algumas razões de “erros” são conhecidas há mais tempo, como as que decorrem de problemas amostrais, problemas de acesso à mostra selecionada, problemas de questionário ou pelo nível de competitividade do pleito.
Há décadas, entretanto, a imprensa –no Brasil e no exterior– tem enfatizado em sua cobertura das eleições uma narrativa sobre a corrida entre os candidatos e as (infelizmente ainda poucas) candidatas, baseando-se em pesquisas eleitorais. Com frequência, faz isso tomando tempo e espaço que poderiam ser gastos em investigações acerca dos programas políticos e das biografias em disputa, que são mais caras e custosas.
Essa escolha narrativa tende a projetar uma imagem da política apenas como uma disputa entre adversários ou uma “corrida de cavalos” (horse-race, para usar a expressão mais comum na academia). Assim, o eleitorado tem a impressão de que, se não há congruência entre a pesquisa e a urna, uma das duas tem de estar errada. E acredita que a política é apenas um jogo entre adversários, e não um sistema de solução de conflitos e de promoção do bem-estar e do desenvolvimento. O resultado social dessa narrativa é um aumento do sentimento antipolítica, segundo Thomas Patterson, no livro Out of Order.
Ou seja, o uso de pesquisas como prognósticos eleitorais é equivocado no curto prazo, e a ênfase da cobertura jornalística baseada em dados dessas pesquisas é disfuncional no longo prazo. O ciclo eleitoral de 2022, que já começou, é uma nova oportunidade para que jornalistas, cientistas políticos e analistas estabeleçam uma narrativa que não descarte um gol decisivo nos últimos 5 minutos, uma imunidade surpreendente no penúltimo paredão ou a confissão de um crime no último capítulo da novela.
Este artigo foi publicado em 1º de junho de 2021 no Poder360.
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