Wladimir Gramacho
Informações incorretas sobre vacinas estão entre as maiores ameaças à saúde global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A pandemia de COVID-19 ofereceu um triste exemplo sobre os efeitos desse problema. Estudo publicado na revista Nature Human Behaviour mostrou que, nos Estados Unidos e no Reino Unido, pessoas expostas a informações incorretas (misinformation, em inglês) tinham menor intenção de se vacinarem contra o coronavírus em comparação com os participantes do grupo, que não foi exposto a nenhum estímulo.
No Brasil, conforme eu e Mathieu Turgeon analisamos num estudo publicado em maio de 2021 na revista Vaccine, simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro tinham menor intenção de se imunizarem com a vacina chinesa CoronaVac, provavelmente devido às informações falsas difundidas pelo ex-presidente. Conforme se viu, a CoronaVac, responsável por cerca de 80% das doses aplicadas nos três primeiros meses de vacinação, em 2021, foi crucial para proteger as vidas de milhões de pessoas no país.
Assim como o mosquito Aedes aegypti é o principal vetor da dengue, algumas pessoas também são vetores (às vezes inconscientes) na transmissão de informações erradas sobre as vacinas. Nos últimos anos, a capacidade de difusão dessas pessoas aumentou exponencialmente por causa do uso de plataformas digitais (como Facebook, Instagram e outros) e de aplicativos de troca instantânea de mensagens (como WhatsApp e Telegram).
Um perfil bem definido
Um estudo feito nos Estados Unidos sugere que pessoas com orientação conservadora e indivíduos idosos compartilhem e debatam entre si as notícias que atinjem seus grupos de influência mais próximos.
E no Brasil? Quem são as pessoas que compartilham notícias falsas, mais especificamente sobre as vacinas?
O Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública da Universidade de Brasília (CPS/UnB) desenhou um estudo para tentar responder a essa questão. Os resultados finais serão divulgados durante o 2º Seminário “A desinformação científica como um problema público transnacional” , no dia 7 de novembro de 2023, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB). Neste artigo antecipamos os primeiros achados.
Em agosto, contratamos o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD) para a realização de um grande estudo nacional. Numa das etapas desse estudo, aplicamos um questionário online a uma amostra de 1845 pessoas escolhidas após a aplicação de cotas de gênero, idade, região e classe social. Essa amostra representa adequadamente a população brasileira com acesso à internet.
Perguntamos aos participantes se eles compartilhariam ou não 12 “notícias” sobre vacinas. Assim como em outros estudos sobre esse assunto, usamos apenas os títulos para indicar o conteúdo dessas “notícias”. Seis delas eram verdadeiras e seis eram falsas: mas isso não foi informado antecipadamente aos respondentes. Notícias falsas diziam, por exemplo, que “Nova vacina tem chip para controle populacional” ou que “Tratamento ‘detox vacinal’ reverte efeitos da vacinação”.
A tabela abaixo mostra a distribuição de frequências da intenção das pessoas em nossa amostra de compartilharem as “notícias” incorretas. Ou seja, nesta análise, estamos observando apenas o que aconteceria com as informações falsas. A boa notícia é que a maioria dos indivíduos entrevistados (62%) não compartilharia nenhuma dessas “notícias”. Mas expressivos 38% compartilhariam ao menos uma delas. Pior: 8% compartilhariam cinco delas ou todas elas.
A análise preliminar dos dados já nos permite identificar alguns segmentos sociais que compartilhariam mais “notícias” falsas do que outros. Se fosse possível unir todas essas características num só indivíduo, poderíamos dizer que ele teria entre 35 e 44 anos de idade e educação inferior ao ensino médio, pertenceria às classes D ou E e seria evangélico (não foram registradas diferenças entre os gêneros). Além disso, seria um indivíduo que acredita que estar exposto naturalmente às doenças é mais seguro do que se vacinar e que acha que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro foi “bom” ou “ótimo”.
Em linhas gerais, esses resultados são convergentes com estudos anteriores que associam o compartilhamento de desinformações a indivíduos mais conservadores. Entretanto, no Brasil, quando o assunto são vacinas, não são os mais idosos os que têm mais chances de difundir informações incorretas, mas pessoas na faixa etária que vai de 35 a 44 anos. Isso pode se dar, entre outras razões, ao fato de que pessoas mais idosas testemunharam o êxito do Brasil com campanhas de vacinação que erradicaram a varíola e a poliomielite. Por isso, talvez tenham maior confiança nas vacinas, frequentemente atacada por notícias falsas.
Outros achados interessantes mostram que pessoas de baixa escolaridade e das classes D e E (variáveis muito correlacionadas) compartilhariam mais inverdades sobre as vacinas do que as de maior escolaridade ou renda. O resultado apoia uma das explicações frequentemente utilizadas para esse compartilhamento: a de que muita gente não consegue distinguir as informações corretas das incorretas, o que seria mais comum entre pessoas que estudaram menos.
Evangélicos e bolsonarismo
O maior compartilhamento entre evangélicos poderia ser explicado pelo fato de que algumas dessas lideranças religiosas apoiaram ostensivamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, cujas declarações sobre vacinas eram comumente falsas. Não surpreende, portanto, que os participantes da pesquisa que aprovam o governo do ex-presidente compartilhariam mais inverdades sobre as vacinas.
É claro que as características acima apenas aumentam as chances de que um indivíduo compartilhe “notícias” falsas sobre as vacinas no Brasil. De nenhum modo, ter esses atributos transforma uma pessoa num vetor de informações falsas. Esse comportamento também existe em outras classes sociais, idades, níveis de educação, religiões e atitudes vacinais e políticas – ainda que seja menos frequente, segundo os dados de nossa amostra.
Nossa análise também identificou os hábitos de uso de mídia das pessoas que compartilhariam “notícias” falsas sobre vacinas. O gráfico abaixo mostra a média de “notícias” falsas que seriam difundidas por pessoas que declararam se informar muito frequentemente em veículos selecionados, da TV e digitais.
O dado mais preocupante revela que usuários intensivos do TikTok e do Telegram compartilhariam, respectivamente, 1,82 e 1,75 “notícias” falsas, em média. Como o valor máximo são 6 notícias, isso corresponderia a difundir aproximadamente 30% do conteúdo falso sobre vacinas que recebessem.
O resultado recomenda atenção a essa plataforma e a esse aplicativo. Seria prudente a realização de estudo sobre intervenções que reduzam a circulação de informações falsas sobre vacinas nessas plataformas, mas ao mesmo tempo preservem a liberdade de expressão de seus usuários.
Entre os veículos analisados, apenas indivíduos que declararam se informar muito frequentemente pelo Jornal Nacional registraram média de intenção de compartilhamento de “notícias” falsas sobre vacinas inferior a 1 (0,77).
O enfrentamento de informações incorretas sobre as vacinas não é simples nem tem solução fácil. Depende da identificação e intervenção sobre produtores de conteúdo falso, indivíduos que compartilham essas informações e os que as recebem e acreditam nelas, ainda que não passem as mensagens adiante. Depende, ainda, da compreensão do problema associado a cada vacina: hesitantes vacinais apresentam razões diferentes para, por exemplo, não vacinarem seus filhos contra o sarampo, o HPV ou o coronavírus.
Portanto, é fundamental fortalecer a construção de conhecimento científico sobre esses atores e as intervenções eficazes para lidar com o problema da crescente desinformação acerca de vacinas no Brasil. Se a criação e a circulação dessas informações erradas não forem enfrentadas e coibidas de forma apropriada, podemos jogar fora décadas de progressos científicos que nos livraram de doenças e nos permitiram viver mais anos.
Este artigo foi publicado em 10 de outubro de 2023 no The Conversation